quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Biologia

Prefiro mil vezes o berro de um quero-quero
Do que os cromados do teu carro zero.

Prefiro o mato agreste e a erva daninha
Ao teu frívolo refrigerante de latinha.

Prefiro lavrar a terra batendo enxada
E caminhar longas e belas trilhas
Aos ruídos das tuas academias,
Onde as pessoas correm paradas.

Prefiro comer bergamotas em julho
À comer essa tua química,
(ou deveria chamar de entulho?)

Não quero o tua sala com ares condicionados.
Quero a música dos artrópodos, dos ventos
e dos pássaros, dos mais ancestrais bardos.

Prefiro ter a cara queimada de Sol
E os braços fortes de quem vive na labuta,
À viver cercado de confortos e mentiras,
Pois sei que estas são ignotas e malignas!
E sei que minha espécia é talvez a única
Que deliberadamente opta em prol
De somente agir como dizem as linhas.

Não se firme às suas certezas, meu jovem 
Eu sei quais são seus anseios e necessidades.
E sei que tu pode encontrar a plenitude
(o amor, a paz, o equilíbrio e a virtude)
Estando longe dos falsos confortos
Dos desnecessários confrontos
E de todos esses outros vícios e malefícios das cidades.



Não acredito na dicotomia homem/natureza, acho que estamos realmente integrados aos sistemas da Terra e toda sua dinâmica. Estamos fazendo o que qualquer espécie faria, estamos nos reproduzindo e consumindo recursos. O problema é que qualquer população que passa por um período de crescimento abundante e consome todos os recursos acaba extinta... Quanto tempo demorará para o planeta Terra repita a história que ocorreu na Ilha de Páscoa?

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Bloqueio Criativo



Nada sai de inovador
Nada que valha a pena
Vários textos na gaveta,
Ametábolos 
em matéria de esplendor...

Mas também, o que que eu espero?
Virar um Eddie Vedder?
Andar sob um Hard Sun que não me atinge?
Ou, por falta de esmero,
virar um Paulo Leminski?

Ídolos, símbolos 
Ideais; Improfícuos 

O que eu tou fazendo?
Nada disso é talento
Nada disso é novidade
Sou só um piá de dezessete
Escrevendo na internet
mas com a cabeça em Marte.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Três Segundos

I
Quando era pequeno, Zezinho achava que tinha o poder de controlar o vento. Em finais de tarde cheios de ventania ele ia sozinho pro pátio de casa e ficava balançando os braços de um lado para o outro, crente de que era ele que estava regendo os caminhos das correntes de ar. Zezinho via os pássaros, os insetos e as nuvens e via nelas os guardiões daquele poderoso elemento, e ele sabia que cedo ou tarde ele estaria se juntando a eles, sendo mais um redentor dos grandes rios de ar que corriam no Céu. As vezes quando estava no pátio, ele gritava uma palavra de ordem, movia os braços, e uma forte lufada de vento obedecia sua voz, as arvores se dobravam, a poeira levantava e seu cabelo era jogado pra frente, e nesse momento Zezinho reafirmava sua certeza. Ele tinha o poder de controlar o vento.

II
Zezinho tinha esse apelido pois sempre tivera vergonha de seu nome. Muitas pessoas julgavam simplesmente que seu nome deveria ser José, Josué ou algo do gênero, mas não. O pai de Zezinho queria que ele tivesse um nome diferente, único, e resolveu por-lhe um nome de divindade grega. O pai de Zezinho, homem simples do povo, não sabia muito sobre mitologia grega, por isso pôs o primeiro nome que encontrou e que julgou soar bem, e nome era Zéfiro. 
 
III
Por volta dos onze anos Zezinho descobriu e entendeu o porquê de seu nome. Era nome do deus do vento oeste! Era nome de um deus, de um deus dos ventos!!! Desde aquele dia Zezinho passou a preferir que lhe chamassem pelo nome de batismo, por mais heterodoxo que ele soasse aos ouvidos alheios. 

IV
Quando já começava a sombrear o buço, Zé resolveu aprender a tocar acordeon e cantar. Uma vez ele havia tocado no acordeon de um parente, e ficou impressionado com a quantidade de ar que aquele instrumento gigantesco movimentava. O fole abrindo e fechando e o vento escapando de cada botão com uma sonoridade e vibração diferente! Zé estava decidido, não era mais uma criança. Sabia que o vento não o obedecia como antes, aprendera no colégio que o que ele julgava ser o seu poder nada mais era do que um fenômeno físico, tinha o nome feio de corrente de convecção. Mas essa descoberta não abatera Zéfiro, e ele estava decidido em domar os ventos por meio da música e de seus pulmões.

V
Zé já estava velho, bem mais velho. Já tinha terminado o colégio, já tinha se formado na Universidade. Seu tempo na faculdade tinha sido proveitoso, estudante de física de fluidos, enfase em estudos atmosféricos. Se formou meteorologista, nada mais natural! Ele sabia que ele trabalharia muito mais com computadores do que com o clima em si. Mas ele não precisava do vento das altas camadas da atmosfera, o vento do seu acordeon já bastava. 

VI
Pobre Zé, a idade não tinha sido generosa com ele. Zé era um senhor de meia-idade agora, um senhor e meia-idade sozinho e sem família. Tinha dedicado sua vida toda a um projeto de satélite que não tinha dado certo. Faziam já alguns anos que não tocava acordeon, faziam alguns anos que ele não cantava, faziam alguns anos que ele não sentia prazer nem em o vento soprar os seus cabelos.
Um dia Zé pegou seu carro, encheu o tanque e dirigiu quilômetros e quilômetros até chegar numa praia que tinha conhecido na época da faculdade, lembrava-se de que havia uma trilha para o topo de um penhasco onde soprava o vento mais poderoso que ele já havia sentido!
Quando Zé chegou na entrada do parque natural, desceu do carro, pegou sua mochila e seguiu pela trilha descampada que corria ao lado do penhasco. Era frio, era inverno, estava nublado, e ventava! Ventava forte, do mar para o penhasco, e Zéfiro estava fascinado. O vento lá era forte, forte e indomável, nem mesmo o pequeno Zezinho do pátio teria força para controlar aquele vento! (~~~A propulsão perfeita~~~). Zéfiro continuou andando sozinho pela trilha até chegar em uma pequena dobra nas rochas do precipício, e lá espichou o pescoço para olhar o mar arrebentando nas pedras logo abaixo. 
No que se abaixou, Zéfiro viu um recuo nas pedras. (~~~Um espaço para manobrar~~~). Olhou fixamente para baixo. Naquele momento ele percebeu que tudo o que vivera era mentira, ele não era humano, ele estudava números e notas musicais para se disfarçar de humano. Ele não era humano afinal de contas, ele era um Deus, um Deus do Vento!! Era tão guardião dos ares quanto as nuvens e os pássaros!!! E era chegada a hora, era chegada a hora de ele se juntar ao seu elemento de origem!!!

VII
Zéfiro foi o homem mais feliz do mundo durante os três segundos em que voou como uma coluna de ar descendente.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Neve em Porto Alegre

Esse ano nevará em Porto Alegre. E não será uma neve qualquer, nevará ininterruptamente por sete dias e sete noites.
Nos primeiros dias a população da cidade estará maravilhada, não crendo que depois de tantas décadas voltaria a nevar em Porto Alegre. A neve vai começará já pesada, em um domingo, e os pais vão se encher de coragem e agasalhos e levar seus filhos para brincar na neve, como em um desenho americano. A RBS fará reportagens especiais, e a capa da Zero Hora não poderá ser outra. A neve será o principal assunto da cidade.
O problema começará quando a neve continuar a cair e não parar. Por conta do frio e da escuridão muitos colégios cancelarão as aulas. Começarão a ser noticiados acidentes de trânsito na Goethe, na Perimetral, na Ipiranga, na Bento, na Beira-Rio e todos os motivos serão os mesmos, derrapagem na pista congelada. Nas grandes mansões e nos luxuosos apartamentos da Bela Vista o fenômeno climático será confortavelmente aproveitado, os ricos adorarão tomar seu vinho sentados à beira do aquecedor. Nos casebres da Vila Cruzeiro e da Vila Humaitá os trabalhadores não verão a neve da mesma forma, muito menos os mendigos que se aglomerarão embaixo do Viaduto da Borges.
No Jornal do Almoço o Lazier Martins fará uma crítica indignada ao Prefeito, "onde já se viu essa neve toda e as autoridades não fazerem nada?". Onde estariam os caminhões jogando sal nas avenidas para os montes de neve derreterem, onde estariam as políticas assistencialistas aos desabrigados? O Prefeito não saberá o que fazer, e a neve não parará.
Os jogos do Campeonato brasileiro serão jogados com uma bola laranja para que os jogadores possam vê-la, e a CBF pensará em boicotar jogos em Porto Alegre enquanto durasse a nevasca, a esmagadora maioria dos atletas jamais tinha jogado em tais condições.
A água para o chimarrão vai demorar a esquentar, o pão demorará a crescer nas padarias, a comida demorará a ficar pronta. E a neve não parará de cair. O Hospital de Clínicas atenderá centenas de casos de tuberculose, hipotermia, infecções respiratórias e todos estes males que o frio trás consigo. As extensões gramadas de Belém Velho estarão brancas e brancas, e os cimos dos morros estarão brancos de neve. Os alunos e pesquisadores da UFRGS estarão estudando intrigados o fenômeno, e nos corredores acinzentados do Departamento de Ecologia já começam a ser estudados os possíveis efeitos que toda essa neve causará ao ecossistema do entorno. O espelho d'água da Redenção estará congelado, e vários prédios históricos serão interditados, pois nenhum deles estava preparado para o peso da neve em seus telhados.
Ninguém mais veria a neve com alegria e graça, agora ela seria um incomodo. Um dos incômodos mais sérios que a cidade já vira.
Mário Quintana olhando tudo do Céu escreverá um pequeno poema sobre toda a situação e mandará um anjo pichar esse poema na Prefeitura. Os colégios já começarão a planejar aulas nos sábados para recuperar os dias perdidos. As empresas calculam os prejuízos que a neve já causou. E os albergues não saberão o que fazer com tantos desabrigados procurando um teto. E o pior de tudo é que ninguém saberá quando a neve vai parar. Se é que um dia ela iria parar...
Mas ao final da sétima noite de neve descerá do céu um anjo, que pichará a Usina do Gasômetro, dizendo que a neve pararia de manhã, que sairia Sol, e que as quatro horas da tarde São Pedro apareceria dentro da Catedral Metropolitana para explicar o ocorrido.

Toda Porto Alegre aparecerá no Centro, será tanta gente que São Pedro optará por sair da Catedral e falar com a população no meio da Praça da Matriz mesmo. Com uma voz forte que só os anjos e santos tem, São Pedro dirá a população que toda aquela neve não teve motivo algum. São Pedro dirá que estava entediado, e que a décadas nada de diferente acontecia no Delta do Jacuí. E subirá aos céus deixando uma multidão em dúvida e um Sol forte pra agradar a todos.

sábado, 10 de agosto de 2013

Mil Quinhentos e Trinta e Quatro Quilômetros

V
No calçadão de pedras
E com névoa de madrugada
Fecham-se as janelas.

IV-VI
Durante a estrada você olha
Na encosta do morro
Araucaria angustifolia. 

III-VII
Com vento na cara
Os dois cruzam a ponte
Que liga nada ao nada.

II-VIII
A cento e dez por hora
Até um sopro do vento
Pode jogar o carro fora.

I-IX
Pare, olhe e lembre:
As ruas de Porto Alegre
São as mesma de sempre

sábado, 29 de junho de 2013

Ela Não Existe

Nunca acreditei na beleza.
Não interprete isso como atração ao feio e ao anti-estético, longe disso. Eu nunca acreditei na beleza justamente por eu achar que ela não existe.
Lembro de que quando eu era pequeno eu sentava no topo do escorregador e ficava olhando pras nuvens rosadas do final de tarde. Eu achava aquilo tão bonito, mas tão bonito, que eu não conseguia acreditar que era real. Para mim aquilo era uma tela, um quadro, um desenho, algo saído de alguma abstração humana e materializado num evento atmosférico.
Até hoje, quando vejo alguma garota muito bonita falo pra mim mesmo: "Essa guria não existe...".
Pra mim a beleza sempre foi algo que estava encarcerado nas células do tecido cerebral, a beleza sempre foi algo que não podia sair do Mundo Inteligível e cair no Mundo Concreto. O Mundo Concreto não costuma ter beleza ou feiura, o Mundo Concreto tem trabalho e estudo e força e dor e rotina e Vida e Morte.
O Mundo Concreto é o mundo dos nossos irmãos símios.
Continuo não crendo na beleza. Continuo vasculhando atentamente nas belas paisagens e nas belas visões algo de feio para me lembrar que aquilo é real! Budistas dirão que isso pode ser um reflexo da minha aversão às ilusões dos sentidos, e eu em períodos de budismo achei que era isso mesmo. Mas eu duvido. Acho que nossos irmãos símios não tinham budismo e a "Realidade Ilusória Dos Sentidos" era a única realidade que eles tinham. E é a única realidade que temos.

Estou tentando crer na beleza, estou tentando aceitar que o Samsara pode ser Nirvana, que a Vida/Morte podem ser Eternas, que as coisas efêmeras devem ser aproveitadas. Eu sei que o sabor da comida é efêmero, sei que o torpor do vinho é efêmero, sei que as bergamotas da bergamoteira são efêmeras, que os cachorros da rua são efêmeros e de que tudo que é perceptível pelos sentidos é efêmero...
Eu sei disso, eu tenho plena consciência disso.
Mas isso são ideias encarceradas no meu cérebro, o Mundo Dos Símios é diferente. E eu quero viver o Mundo Dos Símios.
A Vida é grande demais pra gastar o tempo da juventude refletindo no que ocorrerá depois que minha saúde fraquejar. E, quando já tiver aceito o Mundo Concreto como ele é, só encher os pulmões de ar já vai ser um prazer indescritível!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Feedback


Tu me olha por cima
enquanto eu caio.
Tu me cobra um amor
que eu não tenho.
Tu diz para eu não ir
mas eu venho.
Tu diz pra eu sair
mas eu não saio.

Eu só saio
Quando tu disser o quanto eu valho.
Eu só saio
Quando tu enumerar meus atos falhos.

E passado isso,
(o teu desabafo aquilino),
poderei voltar para casa,
deitar, e dormir tranquilo.


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Jápeto e Climene


-No gramado de um campus universitário de Porto Alegre no final do outono um jovem casal está abraçado e tranquilo, até que o silêncio é interrompido por um deles...-:

-Ai, ai..., disse ela após um longo suspiro.
-O que?
-Não, nada, esquece...
-Guria, eu conheço esses "aí,ais"!
-Não é nada, já disse. (ela ri de leve)
-É sim, é sim! Esse é um daqueles "ai, ais" que vem do fundo da alma. Esses "ai, ais" são os que nos aproximam de Atlas!
-Hã? 
-Atlas! O semi-titã da mitologia grega, que carregava o Mundo nas costas! Olha, pensa, nós também carregamos nosso Mundo nas costas, só que nós carregamos a ideia de existir (que é tão grande quanto o Mundo...). Atlas devia em alguma hora se sentir cansado e desejar não carregar o Mundo nas costas, e nesse momento ele deveria soltar algum gemido de lamento e tentar acomodar melhor o peso nas costas. Esse teu "ai, ai" é basicamente o teu Atlas lamuriando e tentando acomodar melhor o Mundo dentro de ti!
-Nossa, faz sentido isso! 

-Retoma-se o silêncio, até que alguns minutos depois ele é quebrado, desta vez pelo rapaz, que após um longo suspiro disse, Ai, ai...- 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O Primeiro Frio

Não adianta, o Frio sempre volta.

As terras podem mudar, os quilômetros avançar, mas não adianta, algumas coisas não mudam nunca.
Perdi meus cabelos, mas não perdi minhas certezas. Não perdi nem as certezas que eu desejaria perder.
Aqui estou eu novamente, conversando comigo mesmo pelos dedos em um teclado QWERTY e ouvindo as mesmas músicas tristes. As canções tristes devem ser as primeiras canções que os bichos Homo sapiens devem ter começado a cantar. O uivo dos lobos, o assovio dos ventos por entre as folhas das arvores, os pés descalços gelados e sujos no chão. A Solidão.
A Solidão é onipresente, só é esquecida por nós as vezes. A Solidão tem efeitos estranhos. Acho que minha solidão se uniu aos meus ossos. Minha solidão está impregnada na minha pele, nos meus pelos e poros, nos meus pulmões e músculos e ossos.


Daqui a algum tempo tu vai me encontrar e eu só vou estar querendo sossego. Tu vai me encontrar com a mesma cara, e as pontas dos meus dedos vão continuar geladas. As pontas dos meus dedos sempre são geladas, mesmo enquanto eu tomo meu chimarrão ou meu chá preto. Tu vai me encontrar ouvindo as mesmas músicas tristes, de boina, barba e cuia. Tu vai me encontrar e eu já vou ter aceitado minha solidão. Tu vai me encontrar e eu vou estar em casa, agasalhado, ouvindo as mesmas músicas tristes e com as pontas dos dedos geladas. Meu coração gelado? Meu coração nem mais sinto, mas acho que ele perdeu um pouquinho o gosto em se aquecer...

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Dormindo a 90 Km/h

Ida:
Nos tempos dos meus 12 anos eu viajava de madrugada com meus pais e via um prazer especial em ver o sol nascer na estrada.
Esses dias estava fazendo o tradicional trajeto Porto Alegre-Florianópolis e meu ônibus tinha previsão de chegar às 6 da manhã do outro dia. Fiz a viajem toda olhando para a janela esperando o sol nascer. Podia ser 2 e meia da manhã mas eu vasculhava o céu procurando alguma claridade. Não sairia do ônibus até que o sol nascesse.
Cochilei no banco e acordei, vi que eram 4 da manhã. Cochilei mais um pouco, acordei e ainda era noite. Olhei pela janela e lá estava a Via Expressa em São José... A Ilha estava próxima. O ônibus atravessou a ponte, estacionou na rodoviária eu saí. Caminhei brevemente pelas ruas da Ilha no final da madrugada e não vi o sol nascer na estrada.

Volta:
Retornando para Porto Alegre depois de passar 3 dias na Ilha. Entro no ônibus e o motor à diesel de 200 cv começa e roncar e manobrar a saída da rodoviária. Voltaria para Porto Alegre ouvindo David Bowie e Band of Horses.
Dediquei a viagem à olhar as paisagens denoite. Vi a ponte enferrujada da Ilha, a ponte enferrujada de Laguna, as lojas de departamentos de Imbituba fechadas, os lagos perdidos que ficam entre a fronteira dos estados, as luzes vermelhas que piscam no topo dos cataventos das turbinas eólicas de Osório.
Mas dentre todas essas paisagens uma me deixou perplexo...
Nas alturas de Criciúma olho para um gigantesco espelho d'água! Um espelho d'água gigantesco, cheio de canais e reintrâncias refletindo o brilho forte e cálido de uma lua recém-minguante. Olhava maravilhado aquela luminosidade brotando do chão e me perguntava que formação geográfica era aquela. Continuei olhando, e aqueles espelhos retangulares de luz borrada se seguiam. Eis que finalmente percebi o que eu estava vendo. Os espelhos d'água eram o alagado de plantações de arroz, e as reintrâncias que formavam os quadrados eram os canais de irrigação!
Naquele momento eu vi beleza numa coisa simplíssima e banal (onde já se viu arroz ser raro em Criciúma), vi beleza num fenômeno comum e normal, mas naquele momento eu vi Deus no arroz. Pois é, acho que agora eu entendo o porquê de algumas culturas orientais endeusarem essas graminhas aquáticas do gênero Oryza... 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Homem no Seu Estado Primitivo

A muito tempo eu não me senti tão vivo quanto naquele dia.
Era uma madrugada de verão no norte da Ilha de Santa Catarina. Um pessoal estava reunido bebendo rum, eu estava lá graças ao convite de um amigo. Eu sentado no chão ouvindo um grupo tocando um mini-acústico, uma cena linda. 
Num determinado momento o dono da casa solta a ideia de irmos à uma praia próxima. Lá fomos nós ver como era. Tínhamos que caminhar um tempo por um mato próximo até chegarmos na praia, ofereci a mão à uma garota que estava conosco.  Caminhávamos em fila sobre a terra instável, por entre as árvores, os olhos se acostumando com a falta de luz.
Sentimos a areia, vimos o mar ao longe. Estávamos lá!! O mar em nossa frente e um céu absurdamente estrelado sobre nossas cabeças. Não pensamos duas vezes, todo mundo se pôs em roupas de baixo e se atirou na água! Saí do mar sozinho e percebi que a garota com quem tinha feito a trilha de mãos dadas estava se afastando do grupo.
Corri atrás dela, ver se algo tinha acontecido. Trocamos uma meia dúzia de palavras. Me lembrei de meus longuíssimos momentos de solidão e de que pelo menos uma vez na vida eu teria de honrar minha arianísse, pelo menos uma vez na vida eu deveria fazer uma coisa sem levar em conta as consequências. Olhei fundo nos olhos dela, passei a mão por trás dos cabelos e a beijei. Foi o beijo mais inesperado, fulminante e arrebatador da minha vida toda! Voltei a lembrar que escorre sangue nas minhas veias. Voltamos separados, nos iludindo que isso faria com que o pessoal não desconfiasse.
O tempo passou, o grupo começou a preparar uma fogueira. Nesse meio tempo eu e mais três caras do grupo resolvemos voltar. Segui o pessoal, sem olhar pra trás, e até agora me arrependo de não ter me despedido da garota. Lá fomos nós quatro, caminhando pelo mato, cantando músicas de bandas novas e antigas. Eu de cabelos soltos e pés descalços, com os olhos calibrados à pouca luz da madrugada, as arvores, o ar limpo, as incontáveis estrelas no céu. Voltamos por um caminho diferente, seguindo a única luz elétrica que vimos à distância. Depois de um tempinho de caminhada chegamos em uma rua urbana, tínhamos chego!

Essa combinação de voltar de porre, de entrar no mar de madrugada, de beijar alguém e de andar no mato no escuro me fez lembrar de muitas coisas. Me fez lembrar da minha condição de primata, me fez sonhar com as arvores e com os bichos que estavam a minha volta e com o bicho que eu era. Me fez lembrar que a vida é grande e bela, me fez lembrar que o mundo às vezes é bacana com a gente, me fez lembrar de que sou homem. Senti que as solas dos meus pés estavam mais grossas, que o sangue seguia firme por mim, que não tinha sede ou fome ou medo, que o escuro agora estava claro e que aquelas arvores eram a melhor moldura do mundo.
Finalmente entendi aquilo que os russeunianos chamam de Ser Humano no Estado Natural. Lembrei que ser um chimpanzé sem pelos e bípede não é lá tão ruim assim!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Aos Ciganos Pós-Modernos

Acho que me desacostumei com a ideia de viver muito tempo no mesmo lugar.
Minha família mudou de cidade muitas vezes em um determinado período de tempo. Me vi pular de cidade em cidade com rapidez estafante. Agora me preparo para mais uma!
Agora vou eu sozinho, voltarei pra terra onde nasci, Porto Alegre. Porto Alegre, Porto Alegre, a Joia do Guaíba, a metrópole decadente que hoje vive as glórias do seu antigo passado. 
Voltar para lá me faz lembrar que sou gaúcho. Me faz lembrar que ser gaúcho não é somente beber água quente com erva moída e conjugar os verbos de modo diferente. Ser gaúcho é fazer evocar antigos sons do passado que ecoaram por todas aquelas terras, é ver que o ambiente pode mudar teu modo de pensar (na real acho que me uso do bairrismo só pra me encontrar em alguma identidade nacional ou alguma coisa do gênero).
O povo gaúcho é bruto entre os brutos e fino entre os finos, e o clima gaúcho vai do frio extremo no inverno ao calor escaldante no verão. Esses dois fatores fazem do gaúcho um espécime muito adaptável, tanto que existem gaúchos espalhados pelo Brasil todo em grande número. Mas o que todos esses emigrantes tem em comum é um desejo de voltar para debaixo do céu azul do Rio Grande. Muitos, de fato, voltam. 
E eu estou voltando! Meus planos indicam uma estadia de aproximadamente cinco anos, o tempo de concluir meus estudos e me iniciar nos caminhos da ciência. 
Cinco anos em Porto Alegre, e depois?
Depois só o Destino dirá! Unica certeza que tenho é que não morarei mais lá! Peguei gosto nessa arte da estrada! Motores a combustão interna, fibra ótica e satélites me fazem ver que o mundo pode ser um pouco menor do que os quilômetros que separam os corpos. O mundo é grande e eu ainda sou jovem, e daqui a cinco anos continuarei sendo jovem. 
Talvez volte ao litoral catarinense, talvez volte aos planaltos do Paraná, talvez me embrenhe nos rincões mais perdidos do Rio Grande, talvez seja um lugar totalmente novo. O mundo é grande, grande pra caralho.
A mudança não é uma fuga, mas sim o destino natural dos povos pós-modernos.
Ironicamente, 7.000 anos de vida sedentária resultaram numa sociedade que pode comportar o nomadismo sem nenhum problema!


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As Paredes Falam

-"Andamos Muito Parados", diz um muro de Florianópolis

-"Porque não se revoltar se o grande prejudicado é VOCÊ?", diz o muro de um posto de saúde de Florianópolis

-"DEU$ NÃO EXISTE!", diz o muro de uma grande igreja no centro de Porto Alegre

-"Abaixo a Ditadura da Estética!", diz o muro de um salão de beleza em Curitiba

-"O Povo Unido Governa Sem Partido", diz um muro de Curitiba

-"Viva a Heroica Resistência do Povo Iraquiano!!", diz o muro das Escadarias da Borges, em Porto Alegre

-"Carne é Crime", diz o muro próximo a uma churrascaria em Curitiba

-"Fome é Foda", é o que diz o mesmo muro próximo da mesma churrascaria de Curitiba

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Pequena (Releitura por Vitor Mateus Rigotti)

(Segue aqui um projeto que eu nunca tinha tentado antes. Fiz a releitura de um texto já escrito! O texto original é de autoria da escritora e estudante paranaense Lorena Gonzales, e caso queiram comparar o link está aqui http://acerejadotopo.blogspot.com.br/2012_01_01_archive.html  )


-"Quero ir pra Floripa. Me leva pra lá?" -Foi isso que ela me disse logo no momento que acordou.
-"Levar pra onde?" - Foi o que eu respondi, sem prestar atenção.
-"Floripa, Florianópolis, capital de Santa Catarina, você sempre falou de lá, e todo mundo fala que lá é muito bonito! Quero conhecer, e quero ir com você!"
Ela me falou isso enquanto levantava da cama. Sentou-se nos lençóis, vestindo a parte de cima do meu pijama. Aquela visão me deixava maravilhado e eu me esqueci do que ia fazer.  Ela estava linda, ela era linda. Não conseguia acreditar como ela, tão bela, estaria junta de um velho como eu. Ela sempre acordava depois de mim.
-"Ai, que silêncio nesse quarto. Não é você que sempre diz que a casa só está viva quando tem música e blablabla?!"
-"Tu nem sabe o que que tem pra ouvir. Mas tá, vou pegar um CD aqui. Tem um do Cure, serve?"
-"Cure é aquela banda oitentista do cara dos cabelos zoados? Minha mãe ouvia isso, nossa. Pode ser!"
O baixo da The Kiss começou a estourar e eu me levantei para passar o café. Ao entrar na cozinha coloquei o café na cafeteira, bebi um martelinho de cachaça. Olhei pela porta e vi ela já de pé, olhando pela trigésima vez minha estante de livros. Perguntei de longe se ela queria café, ela respondeu que sim com um gesto, olhando vidrada aquela estante empoeirada.
Só uma vez ela acordou antes de mim. Foi horrível, estranho. Ela estava sentada na cadeira, me vendo acordar. Eu estava particularmente feio e amassado. Tentei ler a emoção que irradiava daqueles olhos verdes semi-cerrados, e entendi de primeira. Ela sentia pena! PENA!! Única explicação plausível para ela ter caído no papo de um velho fodido como eu.
Ela não era a mulher mais inteligente, nem a mais letrada, mas era sedenta por conhecer coisas novas. Era para eu ter medo disso, mas não. Justamente isso que me atraiu. Lembro perfeitamente de como conheci ela. Lembro de estar andando por uma livraria comprar seilá qual livro. Reparei que alguns livros meus estavam nas estantes principais. Do nada ela me parou no meio dos corredores da livraria e disse que adorava minhas obras. Nesse instante percebi que ela nunca tinha lido um livro meu, no minimo tinha lido alguma critica de algum blogueiro amador dizendo que eu era alguma espécie de Bukouski brasileiro ou alguma bobagem infundada dessas. Disse que se chamava Isabel e eu a convidei pra jantar.
O tempo passou e eu descobri que ela não se chamava Isabel. Também descobri que ela não tinha 26 anos e que não era formada em jornalismo. Ela era querida, ela era tudo o que eu precisava. A Vida tinha me ensinado a não confiar em relacionamento nenhum, e meu coração já está muito velho para essas coisas. Nós passávamos juntos as noites abafadas da segunda maior cidade do Paraná. Ela falava de todas as coisas bobas de mulher dela, falava da decoração decadente do meu apartamento, falava empolgada de filmes, falava mal das musicas que eu ouvia, falava dos livros na minha estante. Perguntava sobre a vida de cada um dos autores de das obras, pegava alguns emprestado as vezes.Ela falava demais, falava de tudo, apesar de muitas vezes eu demonstrar desinteresse. Falava empolgada da sua juventude em alguma cidade interiorana que eu nunca lembro o nome, falava dos seus sonhos da época de menina, falava dos sonhos da época de menina que ela já tinha realizado. Ela também falava que gostava do meu café.
Olhei ela de longe, lembrei dela passando as mãos pelos cabelos curtos pintados de vermelho. Adoro quando ela fazia isso, era uma cena digna de filme. Passei as mãos nos meus cabelos grisalhos só pra me lembrar da sensação daqueles finos dedos jovens acariciando minha cabeça despreocupadamente.
O café ficou pronto, levei uma xícara para ela. Ela estava sentada na minha cama, folheando um livro do Jack London, cantarolando a Just Like Heaven -"eu conheço essa música!", -ela me disse. Entreguei a xícara para ela na cama e fui beber meu café escorado na janela. Olhava o pouco movimento urbano de uma manhã de sábado, ai ai, a cidade, a cidade. Quando me levantei ela já não estava na cama, estava de pé com um dos meus livros na mão.
-"Quando que eu vou aparecer em um desses?" -Ela indagou com uma seriedade que ela nunca tinha demonstrado antes.
-"Como assim aparecer?! Não se faz coisa nenhuma forçada na literatura!" - Respondi surpreendido.
-"Tá certo, tá certo! Se eu não vou aparecer tão cedo, só quero te pedir uma coisa... Você consegue me ensinar a escrever?"
-"Ai garota, as coisas não funcionam assim! E tu sabe disso..."
Ela ficou quieta, olhando para baixo. Tive a terrível sensação de ter quebrado alguma coisa nela. Ela não falou comigo o dia inteiro, mas ficou no meu apartamento, comeu o almoço insosso que eu preparei. O dia todo ela ficou quieta e lendo aquele livro fino do Jack London que ela tinha pego da minha estante. Volta e meia me perguntava alguma coisa sobre ele "O cara que escreveu esse livro foi pro Alasca mesmo?", "Como que o cachorro sente as mesmas coisas que o dono que ele arranja no final?".

Ao cair da noite preparei um outro café. Dessa vez era ela quem estava escorada na janela. Eram umas 22 horas quando ela terminou de ler a ultima página do livro. Ela gentilmente o pôs de volta na estante, pegou a bolsa e calçou as sapatilhas. Andou até a sala e olhou profundamente para mim. Me senti atravessado por aqueles olho verdes. Os olhos dela nunca estiveram tão bonitos e tão hipnóticos. Me olhando de cima para baixo, ela me dirigiu a palavra:
-"Vou sair, talvez eu não volte!" -Ela falava com a mesma seriedade que tinha demonstrado de manhã.
-"Ai, ai. Sempre soube que ia escutar isso mais cedo ou mais tarde." -Nesse momento percebi que tinha perdido ela pra sempre....
Ela se aproximou lentamente de mim, olhou fundo nos meus olhos e me deu três beijos com a mais extrema ternura. Um na boca, um na mão esquerda e outro na mão direita. Eu estava sem reação. Ela andou em direção a porta e trocamos pequenos sorrisos. Antes de sair ela me falou por uma ultima vez:
-"Quero aparecer em um dos teus livros!! E, por favor, me chame de Isabel!". E fechou a porta.
Ela se foi, fazer o que. Assim que as coisas funcionam, não? Bem, mas eu só digo uma coisa. Nessa noite eu dormi na sala e não tranquei a porta...