sexta-feira, 19 de abril de 2013

O Primeiro Frio

Não adianta, o Frio sempre volta.

As terras podem mudar, os quilômetros avançar, mas não adianta, algumas coisas não mudam nunca.
Perdi meus cabelos, mas não perdi minhas certezas. Não perdi nem as certezas que eu desejaria perder.
Aqui estou eu novamente, conversando comigo mesmo pelos dedos em um teclado QWERTY e ouvindo as mesmas músicas tristes. As canções tristes devem ser as primeiras canções que os bichos Homo sapiens devem ter começado a cantar. O uivo dos lobos, o assovio dos ventos por entre as folhas das arvores, os pés descalços gelados e sujos no chão. A Solidão.
A Solidão é onipresente, só é esquecida por nós as vezes. A Solidão tem efeitos estranhos. Acho que minha solidão se uniu aos meus ossos. Minha solidão está impregnada na minha pele, nos meus pelos e poros, nos meus pulmões e músculos e ossos.


Daqui a algum tempo tu vai me encontrar e eu só vou estar querendo sossego. Tu vai me encontrar com a mesma cara, e as pontas dos meus dedos vão continuar geladas. As pontas dos meus dedos sempre são geladas, mesmo enquanto eu tomo meu chimarrão ou meu chá preto. Tu vai me encontrar ouvindo as mesmas músicas tristes, de boina, barba e cuia. Tu vai me encontrar e eu já vou ter aceitado minha solidão. Tu vai me encontrar e eu vou estar em casa, agasalhado, ouvindo as mesmas músicas tristes e com as pontas dos dedos geladas. Meu coração gelado? Meu coração nem mais sinto, mas acho que ele perdeu um pouquinho o gosto em se aquecer...

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Dormindo a 90 Km/h

Ida:
Nos tempos dos meus 12 anos eu viajava de madrugada com meus pais e via um prazer especial em ver o sol nascer na estrada.
Esses dias estava fazendo o tradicional trajeto Porto Alegre-Florianópolis e meu ônibus tinha previsão de chegar às 6 da manhã do outro dia. Fiz a viajem toda olhando para a janela esperando o sol nascer. Podia ser 2 e meia da manhã mas eu vasculhava o céu procurando alguma claridade. Não sairia do ônibus até que o sol nascesse.
Cochilei no banco e acordei, vi que eram 4 da manhã. Cochilei mais um pouco, acordei e ainda era noite. Olhei pela janela e lá estava a Via Expressa em São José... A Ilha estava próxima. O ônibus atravessou a ponte, estacionou na rodoviária eu saí. Caminhei brevemente pelas ruas da Ilha no final da madrugada e não vi o sol nascer na estrada.

Volta:
Retornando para Porto Alegre depois de passar 3 dias na Ilha. Entro no ônibus e o motor à diesel de 200 cv começa e roncar e manobrar a saída da rodoviária. Voltaria para Porto Alegre ouvindo David Bowie e Band of Horses.
Dediquei a viagem à olhar as paisagens denoite. Vi a ponte enferrujada da Ilha, a ponte enferrujada de Laguna, as lojas de departamentos de Imbituba fechadas, os lagos perdidos que ficam entre a fronteira dos estados, as luzes vermelhas que piscam no topo dos cataventos das turbinas eólicas de Osório.
Mas dentre todas essas paisagens uma me deixou perplexo...
Nas alturas de Criciúma olho para um gigantesco espelho d'água! Um espelho d'água gigantesco, cheio de canais e reintrâncias refletindo o brilho forte e cálido de uma lua recém-minguante. Olhava maravilhado aquela luminosidade brotando do chão e me perguntava que formação geográfica era aquela. Continuei olhando, e aqueles espelhos retangulares de luz borrada se seguiam. Eis que finalmente percebi o que eu estava vendo. Os espelhos d'água eram o alagado de plantações de arroz, e as reintrâncias que formavam os quadrados eram os canais de irrigação!
Naquele momento eu vi beleza numa coisa simplíssima e banal (onde já se viu arroz ser raro em Criciúma), vi beleza num fenômeno comum e normal, mas naquele momento eu vi Deus no arroz. Pois é, acho que agora eu entendo o porquê de algumas culturas orientais endeusarem essas graminhas aquáticas do gênero Oryza...