sábado, 29 de junho de 2013

Ela Não Existe

Nunca acreditei na beleza.
Não interprete isso como atração ao feio e ao anti-estético, longe disso. Eu nunca acreditei na beleza justamente por eu achar que ela não existe.
Lembro de que quando eu era pequeno eu sentava no topo do escorregador e ficava olhando pras nuvens rosadas do final de tarde. Eu achava aquilo tão bonito, mas tão bonito, que eu não conseguia acreditar que era real. Para mim aquilo era uma tela, um quadro, um desenho, algo saído de alguma abstração humana e materializado num evento atmosférico.
Até hoje, quando vejo alguma garota muito bonita falo pra mim mesmo: "Essa guria não existe...".
Pra mim a beleza sempre foi algo que estava encarcerado nas células do tecido cerebral, a beleza sempre foi algo que não podia sair do Mundo Inteligível e cair no Mundo Concreto. O Mundo Concreto não costuma ter beleza ou feiura, o Mundo Concreto tem trabalho e estudo e força e dor e rotina e Vida e Morte.
O Mundo Concreto é o mundo dos nossos irmãos símios.
Continuo não crendo na beleza. Continuo vasculhando atentamente nas belas paisagens e nas belas visões algo de feio para me lembrar que aquilo é real! Budistas dirão que isso pode ser um reflexo da minha aversão às ilusões dos sentidos, e eu em períodos de budismo achei que era isso mesmo. Mas eu duvido. Acho que nossos irmãos símios não tinham budismo e a "Realidade Ilusória Dos Sentidos" era a única realidade que eles tinham. E é a única realidade que temos.

Estou tentando crer na beleza, estou tentando aceitar que o Samsara pode ser Nirvana, que a Vida/Morte podem ser Eternas, que as coisas efêmeras devem ser aproveitadas. Eu sei que o sabor da comida é efêmero, sei que o torpor do vinho é efêmero, sei que as bergamotas da bergamoteira são efêmeras, que os cachorros da rua são efêmeros e de que tudo que é perceptível pelos sentidos é efêmero...
Eu sei disso, eu tenho plena consciência disso.
Mas isso são ideias encarceradas no meu cérebro, o Mundo Dos Símios é diferente. E eu quero viver o Mundo Dos Símios.
A Vida é grande demais pra gastar o tempo da juventude refletindo no que ocorrerá depois que minha saúde fraquejar. E, quando já tiver aceito o Mundo Concreto como ele é, só encher os pulmões de ar já vai ser um prazer indescritível!

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Feedback


Tu me olha por cima
enquanto eu caio.
Tu me cobra um amor
que eu não tenho.
Tu diz para eu não ir
mas eu venho.
Tu diz pra eu sair
mas eu não saio.

Eu só saio
Quando tu disser o quanto eu valho.
Eu só saio
Quando tu enumerar meus atos falhos.

E passado isso,
(o teu desabafo aquilino),
poderei voltar para casa,
deitar, e dormir tranquilo.


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Jápeto e Climene


-No gramado de um campus universitário de Porto Alegre no final do outono um jovem casal está abraçado e tranquilo, até que o silêncio é interrompido por um deles...-:

-Ai, ai..., disse ela após um longo suspiro.
-O que?
-Não, nada, esquece...
-Guria, eu conheço esses "aí,ais"!
-Não é nada, já disse. (ela ri de leve)
-É sim, é sim! Esse é um daqueles "ai, ais" que vem do fundo da alma. Esses "ai, ais" são os que nos aproximam de Atlas!
-Hã? 
-Atlas! O semi-titã da mitologia grega, que carregava o Mundo nas costas! Olha, pensa, nós também carregamos nosso Mundo nas costas, só que nós carregamos a ideia de existir (que é tão grande quanto o Mundo...). Atlas devia em alguma hora se sentir cansado e desejar não carregar o Mundo nas costas, e nesse momento ele deveria soltar algum gemido de lamento e tentar acomodar melhor o peso nas costas. Esse teu "ai, ai" é basicamente o teu Atlas lamuriando e tentando acomodar melhor o Mundo dentro de ti!
-Nossa, faz sentido isso! 

-Retoma-se o silêncio, até que alguns minutos depois ele é quebrado, desta vez pelo rapaz, que após um longo suspiro disse, Ai, ai...-