terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Homem no Seu Estado Primitivo

A muito tempo eu não me senti tão vivo quanto naquele dia.
Era uma madrugada de verão no norte da Ilha de Santa Catarina. Um pessoal estava reunido bebendo rum, eu estava lá graças ao convite de um amigo. Eu sentado no chão ouvindo um grupo tocando um mini-acústico, uma cena linda. 
Num determinado momento o dono da casa solta a ideia de irmos à uma praia próxima. Lá fomos nós ver como era. Tínhamos que caminhar um tempo por um mato próximo até chegarmos na praia, ofereci a mão à uma garota que estava conosco.  Caminhávamos em fila sobre a terra instável, por entre as árvores, os olhos se acostumando com a falta de luz.
Sentimos a areia, vimos o mar ao longe. Estávamos lá!! O mar em nossa frente e um céu absurdamente estrelado sobre nossas cabeças. Não pensamos duas vezes, todo mundo se pôs em roupas de baixo e se atirou na água! Saí do mar sozinho e percebi que a garota com quem tinha feito a trilha de mãos dadas estava se afastando do grupo.
Corri atrás dela, ver se algo tinha acontecido. Trocamos uma meia dúzia de palavras. Me lembrei de meus longuíssimos momentos de solidão e de que pelo menos uma vez na vida eu teria de honrar minha arianísse, pelo menos uma vez na vida eu deveria fazer uma coisa sem levar em conta as consequências. Olhei fundo nos olhos dela, passei a mão por trás dos cabelos e a beijei. Foi o beijo mais inesperado, fulminante e arrebatador da minha vida toda! Voltei a lembrar que escorre sangue nas minhas veias. Voltamos separados, nos iludindo que isso faria com que o pessoal não desconfiasse.
O tempo passou, o grupo começou a preparar uma fogueira. Nesse meio tempo eu e mais três caras do grupo resolvemos voltar. Segui o pessoal, sem olhar pra trás, e até agora me arrependo de não ter me despedido da garota. Lá fomos nós quatro, caminhando pelo mato, cantando músicas de bandas novas e antigas. Eu de cabelos soltos e pés descalços, com os olhos calibrados à pouca luz da madrugada, as arvores, o ar limpo, as incontáveis estrelas no céu. Voltamos por um caminho diferente, seguindo a única luz elétrica que vimos à distância. Depois de um tempinho de caminhada chegamos em uma rua urbana, tínhamos chego!

Essa combinação de voltar de porre, de entrar no mar de madrugada, de beijar alguém e de andar no mato no escuro me fez lembrar de muitas coisas. Me fez lembrar da minha condição de primata, me fez sonhar com as arvores e com os bichos que estavam a minha volta e com o bicho que eu era. Me fez lembrar que a vida é grande e bela, me fez lembrar que o mundo às vezes é bacana com a gente, me fez lembrar de que sou homem. Senti que as solas dos meus pés estavam mais grossas, que o sangue seguia firme por mim, que não tinha sede ou fome ou medo, que o escuro agora estava claro e que aquelas arvores eram a melhor moldura do mundo.
Finalmente entendi aquilo que os russeunianos chamam de Ser Humano no Estado Natural. Lembrei que ser um chimpanzé sem pelos e bípede não é lá tão ruim assim!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Aos Ciganos Pós-Modernos

Acho que me desacostumei com a ideia de viver muito tempo no mesmo lugar.
Minha família mudou de cidade muitas vezes em um determinado período de tempo. Me vi pular de cidade em cidade com rapidez estafante. Agora me preparo para mais uma!
Agora vou eu sozinho, voltarei pra terra onde nasci, Porto Alegre. Porto Alegre, Porto Alegre, a Joia do Guaíba, a metrópole decadente que hoje vive as glórias do seu antigo passado. 
Voltar para lá me faz lembrar que sou gaúcho. Me faz lembrar que ser gaúcho não é somente beber água quente com erva moída e conjugar os verbos de modo diferente. Ser gaúcho é fazer evocar antigos sons do passado que ecoaram por todas aquelas terras, é ver que o ambiente pode mudar teu modo de pensar (na real acho que me uso do bairrismo só pra me encontrar em alguma identidade nacional ou alguma coisa do gênero).
O povo gaúcho é bruto entre os brutos e fino entre os finos, e o clima gaúcho vai do frio extremo no inverno ao calor escaldante no verão. Esses dois fatores fazem do gaúcho um espécime muito adaptável, tanto que existem gaúchos espalhados pelo Brasil todo em grande número. Mas o que todos esses emigrantes tem em comum é um desejo de voltar para debaixo do céu azul do Rio Grande. Muitos, de fato, voltam. 
E eu estou voltando! Meus planos indicam uma estadia de aproximadamente cinco anos, o tempo de concluir meus estudos e me iniciar nos caminhos da ciência. 
Cinco anos em Porto Alegre, e depois?
Depois só o Destino dirá! Unica certeza que tenho é que não morarei mais lá! Peguei gosto nessa arte da estrada! Motores a combustão interna, fibra ótica e satélites me fazem ver que o mundo pode ser um pouco menor do que os quilômetros que separam os corpos. O mundo é grande e eu ainda sou jovem, e daqui a cinco anos continuarei sendo jovem. 
Talvez volte ao litoral catarinense, talvez volte aos planaltos do Paraná, talvez me embrenhe nos rincões mais perdidos do Rio Grande, talvez seja um lugar totalmente novo. O mundo é grande, grande pra caralho.
A mudança não é uma fuga, mas sim o destino natural dos povos pós-modernos.
Ironicamente, 7.000 anos de vida sedentária resultaram numa sociedade que pode comportar o nomadismo sem nenhum problema!