sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Neve em Porto Alegre

Esse ano nevará em Porto Alegre. E não será uma neve qualquer, nevará ininterruptamente por sete dias e sete noites.
Nos primeiros dias a população da cidade estará maravilhada, não crendo que depois de tantas décadas voltaria a nevar em Porto Alegre. A neve vai começará já pesada, em um domingo, e os pais vão se encher de coragem e agasalhos e levar seus filhos para brincar na neve, como em um desenho americano. A RBS fará reportagens especiais, e a capa da Zero Hora não poderá ser outra. A neve será o principal assunto da cidade.
O problema começará quando a neve continuar a cair e não parar. Por conta do frio e da escuridão muitos colégios cancelarão as aulas. Começarão a ser noticiados acidentes de trânsito na Goethe, na Perimetral, na Ipiranga, na Bento, na Beira-Rio e todos os motivos serão os mesmos, derrapagem na pista congelada. Nas grandes mansões e nos luxuosos apartamentos da Bela Vista o fenômeno climático será confortavelmente aproveitado, os ricos adorarão tomar seu vinho sentados à beira do aquecedor. Nos casebres da Vila Cruzeiro e da Vila Humaitá os trabalhadores não verão a neve da mesma forma, muito menos os mendigos que se aglomerarão embaixo do Viaduto da Borges.
No Jornal do Almoço o Lazier Martins fará uma crítica indignada ao Prefeito, "onde já se viu essa neve toda e as autoridades não fazerem nada?". Onde estariam os caminhões jogando sal nas avenidas para os montes de neve derreterem, onde estariam as políticas assistencialistas aos desabrigados? O Prefeito não saberá o que fazer, e a neve não parará.
Os jogos do Campeonato brasileiro serão jogados com uma bola laranja para que os jogadores possam vê-la, e a CBF pensará em boicotar jogos em Porto Alegre enquanto durasse a nevasca, a esmagadora maioria dos atletas jamais tinha jogado em tais condições.
A água para o chimarrão vai demorar a esquentar, o pão demorará a crescer nas padarias, a comida demorará a ficar pronta. E a neve não parará de cair. O Hospital de Clínicas atenderá centenas de casos de tuberculose, hipotermia, infecções respiratórias e todos estes males que o frio trás consigo. As extensões gramadas de Belém Velho estarão brancas e brancas, e os cimos dos morros estarão brancos de neve. Os alunos e pesquisadores da UFRGS estarão estudando intrigados o fenômeno, e nos corredores acinzentados do Departamento de Ecologia já começam a ser estudados os possíveis efeitos que toda essa neve causará ao ecossistema do entorno. O espelho d'água da Redenção estará congelado, e vários prédios históricos serão interditados, pois nenhum deles estava preparado para o peso da neve em seus telhados.
Ninguém mais veria a neve com alegria e graça, agora ela seria um incomodo. Um dos incômodos mais sérios que a cidade já vira.
Mário Quintana olhando tudo do Céu escreverá um pequeno poema sobre toda a situação e mandará um anjo pichar esse poema na Prefeitura. Os colégios já começarão a planejar aulas nos sábados para recuperar os dias perdidos. As empresas calculam os prejuízos que a neve já causou. E os albergues não saberão o que fazer com tantos desabrigados procurando um teto. E o pior de tudo é que ninguém saberá quando a neve vai parar. Se é que um dia ela iria parar...
Mas ao final da sétima noite de neve descerá do céu um anjo, que pichará a Usina do Gasômetro, dizendo que a neve pararia de manhã, que sairia Sol, e que as quatro horas da tarde São Pedro apareceria dentro da Catedral Metropolitana para explicar o ocorrido.

Toda Porto Alegre aparecerá no Centro, será tanta gente que São Pedro optará por sair da Catedral e falar com a população no meio da Praça da Matriz mesmo. Com uma voz forte que só os anjos e santos tem, São Pedro dirá a população que toda aquela neve não teve motivo algum. São Pedro dirá que estava entediado, e que a décadas nada de diferente acontecia no Delta do Jacuí. E subirá aos céus deixando uma multidão em dúvida e um Sol forte pra agradar a todos.

sábado, 10 de agosto de 2013

Mil Quinhentos e Trinta e Quatro Quilômetros

V
No calçadão de pedras
E com névoa de madrugada
Fecham-se as janelas.

IV-VI
Durante a estrada você olha
Na encosta do morro
Araucaria angustifolia. 

III-VII
Com vento na cara
Os dois cruzam a ponte
Que liga nada ao nada.

II-VIII
A cento e dez por hora
Até um sopro do vento
Pode jogar o carro fora.

I-IX
Pare, olhe e lembre:
As ruas de Porto Alegre
São as mesma de sempre