quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Gênese e Apocalipse



De pouco me interessa o Verbo
(vil vento das Verdades),
o eu quero são as Palavras.

Não quero nada pétreo, pífio
parado, parido ou perfeito.
Somente o leve leito das Palavras

Quero palavras com pétalas
palavras com sépalas
palavras com tépalas
que não são uma coisa nem outra
nem as duas ao mesmo tempo.

Quero que tudo trema
e trinque e tranque e troque
o trágico todo pelas Palavras.

Quero mera mediocridade
da miraculosa mãe da Morte
que nos enche de Palavras.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Um Homem Melhor



Deus queira o Inferno.
Deus queira o Inferno aos que não aprendem.
O Inferno pertence às pedras,
Às almas de pedras,
aos homens de pedra,
às placas tectônicas de ideias.

Deus queira o Inferno
a todas as ideia nocivas 
e seus reprodutores.
Ao Inferno as ideias lascivas
de vício e vicissitude e tolerância

Deus mande ao Inferno minha ânsia.

Mande ao Inferno minha ânsia
meu desespero e ganância.
Minha inveja e cobiça e intolerância.

Deus queira que eu seja um homem melhor.

Nas medidas em que um homem pode ser melhor.

Nenhum homem jamais será melhor.

Nenhum homem foi criado pra ser bom.

Mas tenho fé eu.
Tenho fé eu que o aprendizado é eterno
Que o Sutra do Diamante
no fundo no fundo
é uma Surra de Dinamite
no centro das ideias externas impostas.

O Mundo é mal e é ruim.
E somos parte desse veneno.
O Mundo tem começo e fim.
Lavo meu rosto com benzeno.

O Mundo é belo e louco
E eu sou parte deste Sol.
Que eu melhore de pouco eu pouco
que eu seja alguém melhor que já sou.

E sabe lá o que Deus quer
Não me interessa Deus e seus medos
Não me interessa o que Deus ser
Só quero demolir a base dos meus erros.

Queira eu que eu durma
acorde
trabalhe
aprenda
viva
respire
ame
cresça
coma
beba
viaje
veja
sinta
toque
cure.

Queira eu em minha lápide
A bela estátua
de uma caveira
coroada com a coroa do Universo.

Queira que eu morra velho
mas bem velho,
Mas bem velho mesmo.
Com duzentos anos
trezentos anos
dois mil anos.

Que eu não morra antes de ser um homem melhor
Nas medidas que um homem pode ser...

sábado, 26 de setembro de 2015

A Seção Maldita




Aumente as distorções,
corte os cabos e queime as pontes
essa é a seção maldita,
a que começa depois da meia-noite.

Chame a verve de todos os medos,
os fungos cobrem os corpos
o sangue escorre dos ferimentos
o vento frio é um açoite.
Essa é a seção maldita
que começa depois da meia-noite.

Teus gritos não serão ouvidos
E os dentes criam as cicatrizes
no coração dos atores e atrizes
Teu golpes não serão sentidos.
Pois já passo da meia-noite
e esta é a seção maldita.

O véu negro da noite dos vermes
A alma branca do eterno dos ossos
Idolatre as estatuas inertes
e as estrelas e buracos negros.
Hoje é Lua Cheia à meia-noite
e esta é a seção maldita.

E deixam de soar os tambores
e tudo volta de leve ao normal.
Isso é a ilusão dos teus temores
Que venha o coro virginal
das ideias puras do fundo da alma
que retomam a vida e a calma.

Nada era real e nada era mentira
Acaba o som, ascende a luz.
Passou da meia-noite
e está acaba a seção maldita.


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Teu Outro



Sempre há uma janela
um fundo de cama
uma fresta de porta
uma saída à sorrelfa.

Não me importo nem um pouco
em ser o teu segundo homem.
O teu Outro que vem e some
que te ama e segue a viagem.

Teu homem não é nada pro teu todo,
não mais que uma sombra de ontem.
E eu não sou mais que uns quilos de carne,
um nome, e um coração selvagem.

E esse coração selvagem rasga
e dilacera os pulmões e as costelas
ardendo de sanha e fúria
rugindo a força das eras
e ansiando a eternidade que sempre passa.

Não te peço dê opinião alguma
e nem que dê ouvidos a mim, em suma.
Siga com teu homem, ele é a segurança
o leito oceânico que segura a tua âncora.

Só não te apequene, e se lembre
de aceitar o desafio da vida.
Tu ama e anseia a liberdade
e homem algum será teu guia.

Sou teu Outro, e sigo assim sendo
pois te amo não me arrependo.

Abra as asas, aceite o mundo
e se aceite por amar outro homem
e saiba que isso não é insensatez,
pois a gente sempre espera na vida
que alguém venha
e foda tudo de uma vez.



terça-feira, 11 de agosto de 2015

Onze E Pouco Da Manhã



                ----Para J.D.A.-----

O que eu chamo de amor pode
não ser o que os outros chamam.

O amor sempre se manifestou como algo
de narcótico
de erótico
de colérico
de quimérico
de dramático.

Suba ao palco
interprete o ático
e seja a protagonista da minha vida.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Uma E Tantos Da Manhã




----Para J.D.A.----

                                           Teu cheiro não sai de meu nariz
                                           Teu rosto não sai de minha retina
                                           Tua voz não sai dos meus ouvidos.

                                           O ar que vem ao longe vem forte
                                           e me empurra e me leva e me esconde
                                           distante barometria simbionte
                                           que desfaz a sanidade com um toque.

                                           O que alumia também cria sombra
                                           que reverbera a onda e a refrata
                                           levando consigo o imagético do Nada
                                           e dilatando a pupila como afronta.

                                           O volume todo virado no máximo
                                           num cérebro elétrico e ligado e iônico
                                           carregando em cada dendrito e axônio
                                           a forte encefalite do ruído estático

                                           Teu cheiro não sai de meu nariz
                                           Teu rosto não sai de minha retina
                                           Tua voz não sai dos meus ouvidos.
                                         

sexta-feira, 31 de julho de 2015

O Pior Ser Vivo



O pior dos insones é aquele que não quer dormir.
O pior dos hipócritas é aquele que não quer mentir.
O pior dos céticos é aquele que não quer sentir.

O pior dos normais
é o que finge que é louco,
e o pior dos loucos
é o que finge que é normal.

E o tempo passa aos poucos,
gota à gota a caminho do desespero,
condenando ao degredo todo aquele
que não sabe aceitar o seu destino.

O pior sonhador é aquele que não quer dormir.
O pior religioso é aquele que não quer mentir.
O pior niilista é aquele que não quer sentir.


domingo, 5 de julho de 2015

Nosso Amor Para Ser Admirado




O amor do taxidermista
consiste em pegar
o que já está morto
e dar forma, e jeito e imagem
em um trabalho lógico e criativo
para fazer com que o cadáver
ainda pareça vivo.

O taxidermista usa química
usa proficiência
usa paciência.
Ignora o odor e a aparência
e tece sua indolor ciência.
Doando sua vida de bicho vivo
para sua obra, no bicho morto.

Cada qual com seus heróis
o bom taxidermista não recria
pura e simplesmente a morfologia.
O bom mesmo é aquele
que recria cenas, bandos
caçadas, famílias, flertes.
Aquele que imagina vida além do corpo.

E existe no mundo gente
que ama como o taxidermista.
Quer o amor morto, mas vivo.
Quer o amor estático no canto
do museu das memórias.
Imitando o que ele foi
e o que ele não foi.

Ama como quem ama uma fotografia
como que analisa uma imagem
uma obra de arte inerte.
Que desejam morto o bicho vivo dentro do peito,
para que ele esteja lá sempre
belo, perfeito, quimicamente tratado,
pronto para ser eternamente admirado.

Provavelmente todos nós
amamos como o taxidermista.














quinta-feira, 18 de junho de 2015

HaisCais Pseudo-Existencialistas [1]



                                       I.
                                       Precede o esporro.
                                       A vida é um sopro,
                                       ou um espirro?



            II.
            Albert Camus
            pegou caxumba.
            Isso é o Absurdo.


                                                                   III.
                                                                   Violão sem corda.
                                                                   Um oco cheio
                                                                   não chora a nota.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Shoegaze


Aumente a distorção das guitarras
a dispersão das palavras
as epigêneses das ruídos
e os reverbs das tristezas.

Aumente tudo
o volume
o ruído
o grave
o agudo
o médio
o ralo
o raro
o simples
o complexo
o sintético
o poético
e
o nada.

(Não se esqueça do nada,
principalmente do nada,
do zero.
É isso que deves buscar.)

Você pode cerrar o celho
subir as distorções da vida
mas deves seguir a regra-prima
em não seguir o coelho.
Tome o vinho de Dionísio,
porém com a linha de Ariadne nos pulsos
 e a Coruja de Atena nos ombros.

Invente livre
seguindo o ritmo.
O coração é uma bateria
com uma relação bumbo-caixa extremamente descompassada
e que queime na fogueira
o primeiro filho-da-puta que vier
 a conseguir metrificá-la.

domingo, 24 de maio de 2015

Ouvindo Bob Dylan Recostado No Assento De Um Ônibus Interestadual


Para: H. R.

Antes que você venha me perguntar eu já digo que isso é uma carta de despedida.
Após anos e anos e anos lutando e seguindo em frente não vejo mais razão ou motivo de continuar vivendo essa vida tenebrosa que tenho nessa cidade.
Tudo o que eu sinto e deixo de sentir não se relaciona em nada com a sua pessoa, ainda te respeito e te estimo do fundo do meu coração, mas eu não suporto mais. 
Somos os clichês da nossa geração. Todos somos frutos de nosso meio e nosso tempo, mas nós somos os frutos da pior árvore. Somos jovens brancos médios de classe média de cidades médias de países de economia média em uma latitude média ouvindo música média nos achando grandes produtores e reprodutores de saber médio (e aquele dia tu ainda teve coragem de atirar na minha cara aquele copo de bebida e me dizer injuriada que nós não eramos medíocres.)
O verniz da hipocrisia em nosso tempo não é tão grosso quanto na época dos nossos velhos. Não temos uma hipocrisia tradicional e cheia de regras, nós temos uma hipocrisia generalizada, institucionalizada, tão variada e tão onipresente quanto os isótopos dos gases que respiramos e usamos para oxidar de pouco em pouco o nossos organismos.
Somos filhos da geração dos eternos jovens. Em que você é uma mera ilustração da vida que você vive. Somos a geração da ânsia da atenção, da ânsia da representatividade, da ânsia da opinião, da ânsia do pertencimento, da ânsia da aparência. (A raça humana sempre foi assim, mas agora nos temos os meios técnicos e sócio-econômicos para permitir a nossa inflação de ego em larga escada, Hail Zuckemberg.)
Não tenho mais paciência para aguentar toda essa ladainha da imagem, da aparência e das convenções. E também não tenho mais paciência para a nossa orgulhosa juventude revolucionária, meros vetores de interesses maiores e menores. Enfim, não tenho mais paciência para as pessoas do nosso ciclo social.
Vou sair da cidade, simplesmente. Ir para qualquer lugar em que essa merda desse diploma universitário me sirva pra alguma coisa e eu consiga encher a minha barriga de comida e proteger a minha cabeça sob um teto.
Estava pensando em São Paulo, sonhos e café quente sob uma atmosfera de dióxido de carbono e garoa em um pequeno apartamento ao meio da paulicéia desvairada. Pensei em Buenos Aires, curar a ressaca olhando o Rio da Prata comendo um sanduíche de berinjela em um trapiche na Avenida Costanera. Pensei em Punta del Diablo, no Uruguai, explorar os turistas. Pensei em Floripa, explorar os turistas. Pensei em Cambará do Sul, igualmente para explorar os turistas. (Eu amo os turistas, eles sentem a mesma ânsia que eu e se enganam gastando quantidades exorbitantes de dinheiro para alcançar algo que eles poderiam fazer em casa. Olho para os turistas ricos e sinto um misto de graça e pena...)
Aqui finda minha carta e meu posterior desabafo. Ainda te tenho guardada no coração, mas sinto te informar que esse capítulo acabou, acabou para mim e para você. 
Mas enquanto às minhas palavras, não se preocupe. Eu não vou conseguir fugir de tudo disso, pois tudo isso que eu disse é da natureza humana. Somos frutos de nosso meio e nosso tempo, não? Estou enganando a mim mesmo só para rir um pouquinho da vida e da minha cara. Estou me deslocando geograficamente e abandonando as pessoas dessa cidade só por falta de paciência mesmo.

Um forte abraço do teu estimado,
U.S.C.

Post Scriptvn: Ignore a papagaiada sobre a incerteza de para onde ir. Estou me mudando para Criciúma e já tenho emprego certo em uma escola por lá, não há motivos para preocupação. Dentro de alguns meses te escrevo uma carta com meu endereço de lá, aguardarei resposta.





quarta-feira, 15 de abril de 2015

Saguão de Embarque



Cada avião decolando
leva consigo mais beleza
que toda a biblioteca do Congresso Americano,
que todas as galerias do museu do Louvre,
e que todo o acervo de discos da Third Man Records,
juntos.

Não sou cínico a ponto de falar
que essa beleza reside nos mecanismos,
nos motores, nos compressores,
na fuselagem e controles.
No mais o avião é só uma lata de sardinha sofisticada
voando a 20.000 poucos mil pés de altitude.

A beleza dele reside escondida e escancarada.
É a mesma beleza das ruas,
dos ônibus, dos trens e casas.
É a beleza que reside nos rostos cansados
de cada um dos passageiros, de cada pessoa individualmente,
lutando solitária contra sua própria corja de demônios.

Cada avião decolando
carrega consigo dezenas de romances e novelas,
e algumas centenas e contos e poemas.
E algumas músicas e gravuras esparsas, no mínimo.
Toda beleza pode sim ser inumana,
mas somente o que é humano é capaz de apreciar a beleza.

O avião pousa. Um velho gordo e grisalho desce
pega a mala e senta no McCafé
e compra o que tem vontade sem pensar no preço.
O velho embarcou trabalhando, trabalhou no voo
e agora está sentado no McCafé do aeroporto trabalhando.
O café esfria na velocidade em que ele escreve no laptop.

O café vai ficando cada vez mais frio.
O café de todo mundo está esfriando.
E quem não vê beleza no café esfriando
está fadado a não ver beleza em lugar nenhum.



quinta-feira, 5 de março de 2015

Os Olhos do Incendiário

~~ Para: M.P.E ~~

Não venha me sussurrar no ouvido com essa voz grave, dizendo que vai ficar tudo certo. Não te chamei aqui pra minha casa no meio da noite pra ouvir qualquer pensamento presunçoso teu. Não busco cura alguma, e muito menos algo saindo de ti.
Como tu mesmo me falaste esses dias, a gente não controla esse tipo de coisa. É algo que sai das tripas, que nos atrai e nos afasta, não é mesmo? É bom que tenhas consciência disso, por que tu és o tipo de pessoa que afasta. Eu te vejo me encarando e me apavoro. Me apavora essa tua cara magra, emoldurada de cabelo desgrenhado e barba rala, me olhando fixo com esses olhos pretos arregalados. Esses olhos pretos arregalados que brilham como uma centelha de fogo, como uma brasa.
Mas tenho certeza o fogo que se originará a partir dessa brasa não é nenhum tipo de fogo de lareira, nenhum tipo de fogueira de acampamento, nem nenhum desses outros fogos que nos inspiram sentimento de comodidade e satisfação. Tu tens a presunção de achar que é isso, mas não. O fogo que resultará dessa centelha só trará caos e problemas. Tu tem os olhos de um incendiário. Eu te vejo andando por aí com uma tocha, queimando tudo o que tu encontra e logo após olhando obsequioso para as brasas e as cinzas e ansiosamente esperando encontrar naqueles desenhos abstratos alguma coisa de conhecido.
Tu me encontraste e me jogou no teu ciclo vicioso. Tua ansiedade só me deixava confusa e minha confusão só te deixava ainda mais ansioso.
Te chamei aqui em casa nessa noite, sim. Não nego que preciso de alguém, mas você não é esse alguém. E eu não sou esse alguém pra você. Olhando pra ti eu vejo a cara desesperada do Billy Corgan cantando refrões do tipo “we must never be apart”, “she’s the one for me, she’s all I really need”, “love can last forever”, “love is suicide”. Sinto em te relembrar, mas eu não escuto Smashing Pumpkins desde que eu tinha 16 anos.
Te chamei aqui em casa nessa noite, sim. Queria alguém pra conversar. Alguém pra desabafar. Não pense que pra mim é fácil falar essas coisas. Não pense que pra mim tu é um zero à esquerda. Eu olho pra ti com receio, mas não com desprezo. Tua intensidade é absurda demais pra ser desprezada. Tua vontade de viver e sentir as coisas é algo bonito de se ver em alguém, mas, como tu mesmo disse, tudo que é bonito não é humano. E eu preciso de uma dose de humanidade bem concentrada, direto na veia.
Te chamei aqui em casa nessa noite, sim. Mas não quero ter que te aguentar com essa voz grave no meu ouvido dizendo que me ama e que me adora, me enchendo de beijos vazios e babando as minhas costas. Eu quero que tu faça isso que tu acabou de fazer. Quero que tu desista, que tu vire pro outro lado da cama e durma, e que me deixe sozinha e tranquila.
Sozinha e tranquila, sozinha com os meus pesadelos.


Atenciosamente, S.P.A.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Para Ser Ouvido Com Bateria e Guitarras Elétricas E Um Baixo Tipo dos Smiths


Vejo a vida como um raio.
o quanto eu valho?
onde eu caibo?
Como saber o final das coisas
que nem se deram o trabalho de acontecer?

No fim o que resta de você?
e de nós e dos outros
do que era muito pouco
e de quem me chamava de louco
e de nosso tempo que nunca mais vai voltar?

Mas a saudade não vai nos consumir,
as luzes do futuro são mais fortes
que as brasas do passado,
e não é o grito alto que fará a dor sumir.

E logo estaremos velhos e cansados
a vida marcada na nossa pele
os queimados e cortes e riscados
o peso das escolhas já feitas
nos ancorará nesses momentos.

O passado não é eterno
O passado não é nada eterno
Ele dança com a memória
com os almejos e contextos.
E o presente é um instante.
Só o futuro é eterno,
só o futuro é constante.

E como é bom
não ter certeza
do que virá!