quinta-feira, 5 de março de 2015

Os Olhos do Incendiário

~~ Para: M.P.E ~~

Não venha me sussurrar no ouvido com essa voz grave, dizendo que vai ficar tudo certo. Não te chamei aqui pra minha casa no meio da noite pra ouvir qualquer pensamento presunçoso teu. Não busco cura alguma, e muito menos algo saindo de ti.
Como tu mesmo me falaste esses dias, a gente não controla esse tipo de coisa. É algo que sai das tripas, que nos atrai e nos afasta, não é mesmo? É bom que tenhas consciência disso, por que tu és o tipo de pessoa que afasta. Eu te vejo me encarando e me apavoro. Me apavora essa tua cara magra, emoldurada de cabelo desgrenhado e barba rala, me olhando fixo com esses olhos pretos arregalados. Esses olhos pretos arregalados que brilham como uma centelha de fogo, como uma brasa.
Mas tenho certeza o fogo que se originará a partir dessa brasa não é nenhum tipo de fogo de lareira, nenhum tipo de fogueira de acampamento, nem nenhum desses outros fogos que nos inspiram sentimento de comodidade e satisfação. Tu tens a presunção de achar que é isso, mas não. O fogo que resultará dessa centelha só trará caos e problemas. Tu tem os olhos de um incendiário. Eu te vejo andando por aí com uma tocha, queimando tudo o que tu encontra e logo após olhando obsequioso para as brasas e as cinzas e ansiosamente esperando encontrar naqueles desenhos abstratos alguma coisa de conhecido.
Tu me encontraste e me jogou no teu ciclo vicioso. Tua ansiedade só me deixava confusa e minha confusão só te deixava ainda mais ansioso.
Te chamei aqui em casa nessa noite, sim. Não nego que preciso de alguém, mas você não é esse alguém. E eu não sou esse alguém pra você. Olhando pra ti eu vejo a cara desesperada do Billy Corgan cantando refrões do tipo “we must never be apart”, “she’s the one for me, she’s all I really need”, “love can last forever”, “love is suicide”. Sinto em te relembrar, mas eu não escuto Smashing Pumpkins desde que eu tinha 16 anos.
Te chamei aqui em casa nessa noite, sim. Queria alguém pra conversar. Alguém pra desabafar. Não pense que pra mim é fácil falar essas coisas. Não pense que pra mim tu é um zero à esquerda. Eu olho pra ti com receio, mas não com desprezo. Tua intensidade é absurda demais pra ser desprezada. Tua vontade de viver e sentir as coisas é algo bonito de se ver em alguém, mas, como tu mesmo disse, tudo que é bonito não é humano. E eu preciso de uma dose de humanidade bem concentrada, direto na veia.
Te chamei aqui em casa nessa noite, sim. Mas não quero ter que te aguentar com essa voz grave no meu ouvido dizendo que me ama e que me adora, me enchendo de beijos vazios e babando as minhas costas. Eu quero que tu faça isso que tu acabou de fazer. Quero que tu desista, que tu vire pro outro lado da cama e durma, e que me deixe sozinha e tranquila.
Sozinha e tranquila, sozinha com os meus pesadelos.


Atenciosamente, S.P.A.