~~ Para: M.P.E ~~
Não venha me sussurrar
no ouvido com essa voz grave, dizendo que vai ficar tudo certo. Não te chamei
aqui pra minha casa no meio da noite pra ouvir qualquer pensamento presunçoso
teu. Não busco cura alguma, e muito menos algo saindo de ti.
Como tu mesmo me
falaste esses dias, a gente não controla esse tipo de coisa. É algo que sai das
tripas, que nos atrai e nos afasta, não é mesmo? É bom que tenhas consciência
disso, por que tu és o tipo de pessoa que afasta. Eu te vejo me encarando e me
apavoro. Me apavora essa tua cara magra, emoldurada de cabelo desgrenhado e barba
rala, me olhando fixo com esses olhos pretos arregalados. Esses olhos pretos
arregalados que brilham como uma centelha de fogo, como uma brasa.
Mas tenho certeza o
fogo que se originará a partir dessa brasa não é nenhum tipo de fogo de
lareira, nenhum tipo de fogueira de acampamento, nem nenhum desses outros fogos
que nos inspiram sentimento de comodidade e satisfação. Tu tens a presunção de
achar que é isso, mas não. O fogo que resultará dessa centelha só trará caos e
problemas. Tu tem os olhos de um incendiário. Eu te vejo andando por aí com uma
tocha, queimando tudo o que tu encontra e logo após olhando obsequioso para as
brasas e as cinzas e ansiosamente esperando encontrar naqueles desenhos
abstratos alguma coisa de conhecido.
Tu me encontraste e me
jogou no teu ciclo vicioso. Tua ansiedade só me deixava confusa e minha
confusão só te deixava ainda mais ansioso.
Te chamei aqui em casa
nessa noite, sim. Não nego que preciso de alguém, mas você não é esse alguém. E
eu não sou esse alguém pra você. Olhando pra ti eu vejo a cara desesperada do
Billy Corgan cantando refrões do tipo “we must never be apart”, “she’s the one
for me, she’s all I really need”, “love can last forever”, “love is suicide”. Sinto
em te relembrar, mas eu não escuto Smashing Pumpkins desde que eu tinha 16
anos.
Te chamei aqui em casa
nessa noite, sim. Queria alguém pra conversar. Alguém pra desabafar. Não pense
que pra mim é fácil falar essas coisas. Não pense que pra mim tu é um zero à
esquerda. Eu olho pra ti com receio, mas não com desprezo. Tua intensidade é
absurda demais pra ser desprezada. Tua vontade de viver e sentir as coisas é
algo bonito de se ver em alguém, mas, como tu mesmo disse, tudo que é bonito
não é humano. E eu preciso de uma dose de humanidade bem concentrada, direto na
veia.
Te chamei aqui em casa
nessa noite, sim. Mas não quero ter que te aguentar com essa voz grave no meu
ouvido dizendo que me ama e que me adora, me enchendo de beijos vazios e
babando as minhas costas. Eu quero que tu faça isso que tu acabou de fazer.
Quero que tu desista, que tu vire pro outro lado da cama e durma, e que me
deixe sozinha e tranquila.
Sozinha e tranquila,
sozinha com os meus pesadelos.
Atenciosamente, S.P.A.