quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Três Segundos

I
Quando era pequeno, Zezinho achava que tinha o poder de controlar o vento. Em finais de tarde cheios de ventania ele ia sozinho pro pátio de casa e ficava balançando os braços de um lado para o outro, crente de que era ele que estava regendo os caminhos das correntes de ar. Zezinho via os pássaros, os insetos e as nuvens e via nelas os guardiões daquele poderoso elemento, e ele sabia que cedo ou tarde ele estaria se juntando a eles, sendo mais um redentor dos grandes rios de ar que corriam no Céu. As vezes quando estava no pátio, ele gritava uma palavra de ordem, movia os braços, e uma forte lufada de vento obedecia sua voz, as arvores se dobravam, a poeira levantava e seu cabelo era jogado pra frente, e nesse momento Zezinho reafirmava sua certeza. Ele tinha o poder de controlar o vento.

II
Zezinho tinha esse apelido pois sempre tivera vergonha de seu nome. Muitas pessoas julgavam simplesmente que seu nome deveria ser José, Josué ou algo do gênero, mas não. O pai de Zezinho queria que ele tivesse um nome diferente, único, e resolveu por-lhe um nome de divindade grega. O pai de Zezinho, homem simples do povo, não sabia muito sobre mitologia grega, por isso pôs o primeiro nome que encontrou e que julgou soar bem, e nome era Zéfiro. 
 
III
Por volta dos onze anos Zezinho descobriu e entendeu o porquê de seu nome. Era nome do deus do vento oeste! Era nome de um deus, de um deus dos ventos!!! Desde aquele dia Zezinho passou a preferir que lhe chamassem pelo nome de batismo, por mais heterodoxo que ele soasse aos ouvidos alheios. 

IV
Quando já começava a sombrear o buço, Zé resolveu aprender a tocar acordeon e cantar. Uma vez ele havia tocado no acordeon de um parente, e ficou impressionado com a quantidade de ar que aquele instrumento gigantesco movimentava. O fole abrindo e fechando e o vento escapando de cada botão com uma sonoridade e vibração diferente! Zé estava decidido, não era mais uma criança. Sabia que o vento não o obedecia como antes, aprendera no colégio que o que ele julgava ser o seu poder nada mais era do que um fenômeno físico, tinha o nome feio de corrente de convecção. Mas essa descoberta não abatera Zéfiro, e ele estava decidido em domar os ventos por meio da música e de seus pulmões.

V
Zé já estava velho, bem mais velho. Já tinha terminado o colégio, já tinha se formado na Universidade. Seu tempo na faculdade tinha sido proveitoso, estudante de física de fluidos, enfase em estudos atmosféricos. Se formou meteorologista, nada mais natural! Ele sabia que ele trabalharia muito mais com computadores do que com o clima em si. Mas ele não precisava do vento das altas camadas da atmosfera, o vento do seu acordeon já bastava. 

VI
Pobre Zé, a idade não tinha sido generosa com ele. Zé era um senhor de meia-idade agora, um senhor e meia-idade sozinho e sem família. Tinha dedicado sua vida toda a um projeto de satélite que não tinha dado certo. Faziam já alguns anos que não tocava acordeon, faziam alguns anos que ele não cantava, faziam alguns anos que ele não sentia prazer nem em o vento soprar os seus cabelos.
Um dia Zé pegou seu carro, encheu o tanque e dirigiu quilômetros e quilômetros até chegar numa praia que tinha conhecido na época da faculdade, lembrava-se de que havia uma trilha para o topo de um penhasco onde soprava o vento mais poderoso que ele já havia sentido!
Quando Zé chegou na entrada do parque natural, desceu do carro, pegou sua mochila e seguiu pela trilha descampada que corria ao lado do penhasco. Era frio, era inverno, estava nublado, e ventava! Ventava forte, do mar para o penhasco, e Zéfiro estava fascinado. O vento lá era forte, forte e indomável, nem mesmo o pequeno Zezinho do pátio teria força para controlar aquele vento! (~~~A propulsão perfeita~~~). Zéfiro continuou andando sozinho pela trilha até chegar em uma pequena dobra nas rochas do precipício, e lá espichou o pescoço para olhar o mar arrebentando nas pedras logo abaixo. 
No que se abaixou, Zéfiro viu um recuo nas pedras. (~~~Um espaço para manobrar~~~). Olhou fixamente para baixo. Naquele momento ele percebeu que tudo o que vivera era mentira, ele não era humano, ele estudava números e notas musicais para se disfarçar de humano. Ele não era humano afinal de contas, ele era um Deus, um Deus do Vento!! Era tão guardião dos ares quanto as nuvens e os pássaros!!! E era chegada a hora, era chegada a hora de ele se juntar ao seu elemento de origem!!!

VII
Zéfiro foi o homem mais feliz do mundo durante os três segundos em que voou como uma coluna de ar descendente.