domingo, 24 de maio de 2015

Ouvindo Bob Dylan Recostado No Assento De Um Ônibus Interestadual


Para: H. R.

Antes que você venha me perguntar eu já digo que isso é uma carta de despedida.
Após anos e anos e anos lutando e seguindo em frente não vejo mais razão ou motivo de continuar vivendo essa vida tenebrosa que tenho nessa cidade.
Tudo o que eu sinto e deixo de sentir não se relaciona em nada com a sua pessoa, ainda te respeito e te estimo do fundo do meu coração, mas eu não suporto mais. 
Somos os clichês da nossa geração. Todos somos frutos de nosso meio e nosso tempo, mas nós somos os frutos da pior árvore. Somos jovens brancos médios de classe média de cidades médias de países de economia média em uma latitude média ouvindo música média nos achando grandes produtores e reprodutores de saber médio (e aquele dia tu ainda teve coragem de atirar na minha cara aquele copo de bebida e me dizer injuriada que nós não eramos medíocres.)
O verniz da hipocrisia em nosso tempo não é tão grosso quanto na época dos nossos velhos. Não temos uma hipocrisia tradicional e cheia de regras, nós temos uma hipocrisia generalizada, institucionalizada, tão variada e tão onipresente quanto os isótopos dos gases que respiramos e usamos para oxidar de pouco em pouco o nossos organismos.
Somos filhos da geração dos eternos jovens. Em que você é uma mera ilustração da vida que você vive. Somos a geração da ânsia da atenção, da ânsia da representatividade, da ânsia da opinião, da ânsia do pertencimento, da ânsia da aparência. (A raça humana sempre foi assim, mas agora nos temos os meios técnicos e sócio-econômicos para permitir a nossa inflação de ego em larga escada, Hail Zuckemberg.)
Não tenho mais paciência para aguentar toda essa ladainha da imagem, da aparência e das convenções. E também não tenho mais paciência para a nossa orgulhosa juventude revolucionária, meros vetores de interesses maiores e menores. Enfim, não tenho mais paciência para as pessoas do nosso ciclo social.
Vou sair da cidade, simplesmente. Ir para qualquer lugar em que essa merda desse diploma universitário me sirva pra alguma coisa e eu consiga encher a minha barriga de comida e proteger a minha cabeça sob um teto.
Estava pensando em São Paulo, sonhos e café quente sob uma atmosfera de dióxido de carbono e garoa em um pequeno apartamento ao meio da paulicéia desvairada. Pensei em Buenos Aires, curar a ressaca olhando o Rio da Prata comendo um sanduíche de berinjela em um trapiche na Avenida Costanera. Pensei em Punta del Diablo, no Uruguai, explorar os turistas. Pensei em Floripa, explorar os turistas. Pensei em Cambará do Sul, igualmente para explorar os turistas. (Eu amo os turistas, eles sentem a mesma ânsia que eu e se enganam gastando quantidades exorbitantes de dinheiro para alcançar algo que eles poderiam fazer em casa. Olho para os turistas ricos e sinto um misto de graça e pena...)
Aqui finda minha carta e meu posterior desabafo. Ainda te tenho guardada no coração, mas sinto te informar que esse capítulo acabou, acabou para mim e para você. 
Mas enquanto às minhas palavras, não se preocupe. Eu não vou conseguir fugir de tudo disso, pois tudo isso que eu disse é da natureza humana. Somos frutos de nosso meio e nosso tempo, não? Estou enganando a mim mesmo só para rir um pouquinho da vida e da minha cara. Estou me deslocando geograficamente e abandonando as pessoas dessa cidade só por falta de paciência mesmo.

Um forte abraço do teu estimado,
U.S.C.

Post Scriptvn: Ignore a papagaiada sobre a incerteza de para onde ir. Estou me mudando para Criciúma e já tenho emprego certo em uma escola por lá, não há motivos para preocupação. Dentro de alguns meses te escrevo uma carta com meu endereço de lá, aguardarei resposta.





Nenhum comentário:

Postar um comentário